terça-feira, 1 de setembro de 2009

pradaria

sol de meio-dia
o vento que não desvia
atrás um fim
à frente outro

padaria

não era bonita nem feia. talvez o nariz fosse um pouco grande ou os olhos muito pequenos, mas era uma desarmonia atraente. a roupa escolhida pra parecer a primeira do armário e os cabelos cuidadosamente desajeitados. nos pés os chinelos sobravam e as unhas eram pintadas do mesmo vermelho das mãos. usava um anel de ouro na esquerda, talvez pela vaidade. não passava dos dezoito anos. morava perto. tinha apenas as chaves de casa e uma nota de cinco reais. tem marlboro? maço ou box? maço. três e setenta e cinco, obrigada.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

capricórnio

os ombros abertos
as pernas soltas
o riso independente
do resto ou de si
como se a alma coubesse, perfeita,
no corpo estreito

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Fabulário Cotidiano do Delírio Geral

Costumavam beber juntos e era só o que faziam. Ela abria mão do que lhe sobrava de decência, enquanto ele guardava um pouco pro caso de precisar. Não o suficiente pra evitar algum vexame, mas pra que de quando em vez, tivesse plena noção de seu estado patético. Fazia tempo que eram casados e o motivo, olhando de fora não dava pra dizer. Mas às custas de muitas festas e companhias constantes arrastaram uma união faltosa por vinte anos. Até o dia em que ela resolveu ir embora com um homem mais baixo, mais gordo,mais feio, mais pobre e naturalmente, mais parecido com ela. Sem chão, ele chamou sete putas. Todas loiras. Colocou uma música da moda, chamou-as pra dançar e comentou, quase naturalmente, que casamento era pra gente fraca. Cozinhou pra elas, falou dos negócios da firma, e pediu a mais moça que ficasse pra dormir. Não aceitou e as quatro em ponto foram todas embora, como fora combinando. Ele acordou no sofá da sala e com a cabeça doendo pela repetição impiedosa de imagens desfocadas, foi até a cozinha e buscou um copo d´água. Entrou no quarto com mais esperança que certeza de que na cama encontraria a mulher dormindo. Não a encontrou, nem nesse dia e nem no outro. Mesmo assim, o fez por cerca de um mês. Sete putas, música, noite no sofá e de manhã a esperança de que o pesadelo teria acabado. Mas não acabou até o dia em que admitiu que qualquer coisa deixa de ser impossível no momento em que acontece. E que não cabe ficar incrédulo por mais de alguns instantes. Então, voltou a pedir a mais moça que ficasse, mas dessa vez, pra sempre, pois que seja com uma profissional.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Expresso Boipeba

A mochila pesava uns cem quilos. Já pensava na hora em que tombaria de costas e ficaria mexendo as perninhas desesperada como uma barata burra e impotente. Juntei as forças que restavam do mês de viagem e subi no ônibus onde passaria as três horas seguintes. Um daqueles bem fuleiros que circulam na cidade de janelas abertas e a cada freada perdem um parafuso dos bancos quase soltos.

Os passageiros começaram a chegar enquanto ouvia música no fone de ouvido. Famílias, casais, estrangeiros, sacolas de verdura, pintinhos, uma jaca e uma galinha madura. Entraram também três rapazes com uma garrafa de cachaça.

A jaca se acomodou no colo de uma mulher gorda sentada no banco ao lado. Eu não gostava de jaca e menos ainda de cheiro de jaca. Agradeci pela companheira não estar sentada ao meu lado e o ônibus saiu.

Parou antes da segunda marcha e subiram os atrasados. Agora sim. Uma moça arrumadinha sentou-se no último lugar, ao lado da mulher da jaca. Os rapazes da cachaça tinham cedido os assentos às senhoras e agora viajavam em pé enquanto dividiam o gargalo em roda.

O único espaço livre ficava ao meu lado e estava interditado por uma dúzia de sacolas com peças de carne. Estava contente com minha sorte quando uma mulher morena mais magra que saudável, pediu que tirasse as sacolas. Os homens ajudaram e quando me dei conta já estava sentada. Não podia ouvir mas sabia da confusão pela forma como se mexia. Todos olhavam em nossa direção. Desliguei a música sem tirar o fone do ouvido. A mulher repetia um discurso do qual desgraça era única palavra que conhecia. Nas pausas, cuspia discratemente pro lado, fazendo disso um ciclo. Pedi que não cuspisse em mim.

A mulher seguiu com a profecia e entendi que tinha achado o bilhete caro e encontrado uma razão pra reclamar. Fica calma, tia. Os rapazes faziam coro, as crianças riam, as senhoras sentiam pena e eu apenas me incomodava. Estava perto demais pra achar graça. A senhora pode por favor não cuspir em mim, pedi mais uma vez. Antes que minha paciência acabasse olhei pro lado e me dei conta da situação da moça bem vestida.

Enquanto comia a jaca com todos os dentes e barulhos, a mulher gorda depositava os caroços sobre a saia branca da menina mumificada. Ofereceu mas ela recusou com a cabeça. Foi só o que disse, mas sabia do incômodo e por isso de quando em vez juntava os caroços do colo alheio e jogava janela afora.