segunda-feira, 6 de abril de 2009

Expresso Boipeba

A mochila pesava uns cem quilos. Já pensava na hora em que tombaria de costas e ficaria mexendo as perninhas desesperada como uma barata burra e impotente. Juntei as forças que restavam do mês de viagem e subi no ônibus onde passaria as três horas seguintes. Um daqueles bem fuleiros que circulam na cidade de janelas abertas e a cada freada perdem um parafuso dos bancos quase soltos.

Os passageiros começaram a chegar enquanto ouvia música no fone de ouvido. Famílias, casais, estrangeiros, sacolas de verdura, pintinhos, uma jaca e uma galinha madura. Entraram também três rapazes com uma garrafa de cachaça.

A jaca se acomodou no colo de uma mulher gorda sentada no banco ao lado. Eu não gostava de jaca e menos ainda de cheiro de jaca. Agradeci pela companheira não estar sentada ao meu lado e o ônibus saiu.

Parou antes da segunda marcha e subiram os atrasados. Agora sim. Uma moça arrumadinha sentou-se no último lugar, ao lado da mulher da jaca. Os rapazes da cachaça tinham cedido os assentos às senhoras e agora viajavam em pé enquanto dividiam o gargalo em roda.

O único espaço livre ficava ao meu lado e estava interditado por uma dúzia de sacolas com peças de carne. Estava contente com minha sorte quando uma mulher morena mais magra que saudável, pediu que tirasse as sacolas. Os homens ajudaram e quando me dei conta já estava sentada. Não podia ouvir mas sabia da confusão pela forma como se mexia. Todos olhavam em nossa direção. Desliguei a música sem tirar o fone do ouvido. A mulher repetia um discurso do qual desgraça era única palavra que conhecia. Nas pausas, cuspia discratemente pro lado, fazendo disso um ciclo. Pedi que não cuspisse em mim.

A mulher seguiu com a profecia e entendi que tinha achado o bilhete caro e encontrado uma razão pra reclamar. Fica calma, tia. Os rapazes faziam coro, as crianças riam, as senhoras sentiam pena e eu apenas me incomodava. Estava perto demais pra achar graça. A senhora pode por favor não cuspir em mim, pedi mais uma vez. Antes que minha paciência acabasse olhei pro lado e me dei conta da situação da moça bem vestida.

Enquanto comia a jaca com todos os dentes e barulhos, a mulher gorda depositava os caroços sobre a saia branca da menina mumificada. Ofereceu mas ela recusou com a cabeça. Foi só o que disse, mas sabia do incômodo e por isso de quando em vez juntava os caroços do colo alheio e jogava janela afora.